sábado, 3 de setembro de 2011

O Homem Trocado


O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.
— Tudo perfeito — diz a enfermeira, sorrindo.
— Eu estava com medo desta operação...
— Por quê? Não havia risco nenhum.
— Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.
— E o meu nome? Outro engano.
— Seu nome não é Lírio?
— Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.
— Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.
— O senhor não faz chamadas interurbanas?
— Eu não tenho telefone!
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes.
— Por quê?
— Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer:
— O senhor está desenganado.
— Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples apendicite.
— Se você diz que a operação foi bem...
A enfermeira parou de sorrir.
— Apendicite? — perguntou, hesitante.
— É. A operação era para tirar o apêndice.
— Não era para trocar de sexo?

Mais em: "Os Vigaristas"


2 comentários: